30/12/2009

O Natal Madeirense: as oitavas


(Foto do autor)

O Natal tem para o madeirense um atractivo especial e talvez único no mundo. As festas natalícias não se ficaram só pelo «Dia de Festa»! São repletas de tradições, em que muito nobilitam a etnografia e o folclore revelando o «histórico» da alma dos madeirenses. Ainda hoje, essas tradições perpetuam-se no tempo!
Profundamente religiosos os madeirenses, não se contentaram a celebrar o Natal numa simples reunião de família em animada e recheia «consoada». Foram mais além! E deram largas à sua fé e à liturgia do Natal onde o religioso alimenta o profano e vice-versa. Antigamente na Madeira, tudo girava à volta da «Festa» e o mês de Dezembro era o mais esperado pelos habitantes das ilhas.
O Natal na Madeira inicia-se com as «Missas do Parto» a partir do dia 16 de Dezembro. Estas que terminam na véspera do Dia de Natal, têm por tradição preparar os fiéis para o Nascimento a 25 de Dezembro.
Os madeirenses chamam às «Missas do Parto» as novenas do Natal. E por serem novenas, são nove as missas no seu total e celebram-se de madrugada. Depois das mesmas, as igrejas esvaziam nos seus adros os crentes para ouvirem os cânticos das «Missas do Parto» acompanhados por grupos de cordas, acordeões e castanholas. Igualmente, não faltam os «despiques» a que se seguem, as sessões de «aquecer» com as aguardentes, licores, broas e bolos. O «mata-bicho» é reforçado, pois, os dias prolongam-se pelo trabalho!
No dia da primeira «Missa do Parto», era tradição matar os porcos com todo o seu ritual ancestral conhecido pela «Função do Porco».

(Foto do autor)

Entre o final da tarde ou depois do crepúsculo, procedido da noite do dia 23 para 24 de Dezembro, os madeirenses preparam-se para as idas ao Mercado, com a finalidade de reforçar os artigos alimentares para o almoço, jantar ou para a tradicional «Ceia de Natal». Nada pode faltar! Por vezes este frenesim natalício é acompanhado por grupos de cantares. Hoje na Madeira as tradicionais «noites do mercado» são já uma nova referência na quadra do «Natal Madeirense».
Outrora, em algumas freguesias da Madeira, designadamente no Caniçal e Paul do Mar, esta noite de 23 para 24 de Dezembro era chamada a «Noite do Pão» por ser nesta em que coziam o pão para o «Dia de Festa».
Na véspera do Dia de Natal em outros tempos era o momento de «armar a Lapinha», o «Pinheiro ou a Árvore de Natal» (tradição de outras culturas ocidentais) e ir à «Missa do Galo», acompanhadas do tradicional cumprimento de «Boas Festas». No passado, quem não assistia à «Missa do Galo» à meia-noite, assistia à «Missa dos Pastores» pela madrugada.
Presentemente, os presépios e outros ornamentos natalícios são montados muito mais cedo nas casas dos madeirenses. O «Dia de Festa» era (e, ainda é) tradicionalmente, passado em família.
Aos dias que procedem o Dia de Natal ou «Dia de Festa», são designados pelos madeirenses por «oitava» ou «oitavas do Natal».
A terminologia católica popular, sempre orientou o «natal madeirense». Assim, ocorrem os vocábulos: «primeira oitava», «segunda oitava», «terceira oitava». Por outro lado, certificamos estas premissas através da Enciclopédia Católica Popular que nos define uma «oitava em liturgia», como «o prolongamento por oito dias da celebração duma festa importante, ou então o oitavo dia dessa celebração». Ainda mais nos acrescenta a citada Enciclopédia que, «tal costume, com raízes na liturgia judaica, esteve muito em voga durante a Idade Média. A reforma de S. Pio V reduziu o seu número, e o Conc. Vat. II só manteve as do Natal e da Páscoa», (Bispo Emérito de Beja Manuel Franco Falcão, 2006, 2.ª Edição, Paulistas, p. 367).

(Foto do autor)

Na Madeira de outrora, as «oitavas do Natal» eram vividas como se fossem «dias santos de guarda» no dizer do Padre Manuel Juvenal Pita Ferreira (O Natal na Madeira: Estudo Folclórico, 1956, pp. 257-260). Segundo este, os madeirenses por esta altura (1956), «… de manhã ouvem missa, comungam e beijam o Menino Jesus, para alembrar a Festa; de tarde visitam os padrinhos ou as pessoas mais idosas e respeitáveis da família, - os avós e os pais, - com quem jantam.
O comércio fecha as portas e, no campo, ninguém trabalha.
Se algum lavrador ou comerciante se atreve a tal, fica sujeito à visita dos rapazes da Greve que, mascarados ou não, tiram as enxadas, foices, pás e cestos das mãos dos donos, os bordados e a costura das mãos das donas e os obrigam a descansar.
Tudo se passa entre gargalhadas, porque, doutro modo, há sempre empurrões e cacetada à farta.
Oferecem-lhes uma ou duas galinhas e os padrinhos retribuem os cumprimentos de Boas Festas com dinheiro, roupa ou bolos de mel.
No Porto da Cruz os afilhados de casamento elevam a sua oferta para quatro ou seis galinhas.
Numa das oitavas do Natal, vão a casa dos padrinhos ajudar a comê-las em boa canja e regadas com bom americano.
Durante todo o dia rebentam granadas no ar e estoiram bombas, muitas bombas.
Depois do jantar, muitos tocam e trovam, rapazes e raparigas passeiam para mostrar os fatos novos, as gravatas e os vestidos tirados na missa da manhã, outros visitam as pessoas amigas, que lhes oferecem vinho, bolo de mel ou de família e broas, com fartura.
À noite, acaba muito namoro em razão do rapaz ter perdido a vergonha e pedido ao futuro sogro a mão da namorada. Vaidoso, acompanhá-la-á, daí para o futuro, à missa e nos passeios, sob o olhar vigilante duma tia solteirona ou duma irmã.»

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Pelas «oitavas do Natal», ainda segundo o Padre Manuel Juvenal Pita Ferreira (O Natal na Madeira: Estudo Folclórico, 1956), «… é costume visitar as lapinhas da vizinhança, do sítio e até da freguesia.
Nas serras da Ribeira Brava, os visitantes tocam e cantam, diante do presépio, e deitam esmolas num pires, posto para isso, pelo dono, à frente do Menino Jesus.
Há versos apropriados para a visita e oferta. (...).»
«No Porto Santo, não costumam cantar diante dos presépios, a não ser que o dono da casa dê viola.
Passam o tempo da visita a apreciar os pastores de barro» (…), «a Ceia do Senhor, os Reis Magos, a Natividade, cenas da vida pastoril, etc.
Em quase todas as freguesias da Madeira se joga e se reza o terço diante da lapinha.
Antigamente, em S. Gonçalo, cantavam-se novenas com Veni, ladainha e versos ao Menino Jesus.
Oficiava a pessoa mais devota, cantando os grandes e pequenos, a bom cantar.
Dava-se em todas o Menino a beijar, enquanto toda a gente cantava o Bendito, já hoje esquecido.»
Toda a esta ambiência natalícia das «oitavas do Natal» que nos narra o Padre Manuel Juvenal Pita Ferreira (O Natal na Madeira: Estudo Folclórico, 1956) prolongou-se no tempo e ainda hoje, algumas das tradições acima supracitadas são rememoradas em muitas freguesias madeirenses. Por outro lado, as «oitavas» não acabam por aqui! Após grande festa do «Fim do Ano», prologam-se pelas «oitavas do Jesus» (primeiro dia do ano) e pelas «oitavas dos Reis» (6 de Janeiro), até ao dia de Santo Amaro (15 de Janeiro) com «limpeza dos armários», lá para os lados da freguesia de Santa Cruz.
E assim, termina a grande Festa que é o Natal na Madeira que consideramos em título por «Natal Madeirense».
De forma a «perpetuar» uma das «oitavas do Natal» na Madeira foi instituído um dia feriado regional através do Decreto Legislativo Regional N.º 18/2002/M, de 8 de Novembro, o dia 26 de Dezembro: a «primeira oitava».

(Foto do autor)


Bibliografia:

FALCÃO, Bispo Emérito Manuel Franco (2006). Enciclopédia Católica Popular. 2.ª Edição. Paulistas. Beja.
FERREIRA, Padre Manuel Juvenal Pita (2010). O Natal na Madeira: Estudo Folclórico. 2.ª Edição (Reimpressão). Secretaria Regional de Educação e Cultura. Direcção Regional dos Assuntos Culturais. Funchal.

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