Prefácio
Marco de limite de concelho
(Machico, Santana e Funchal - foto do autor)
(Machico, Santana e Funchal - foto do autor)
A palavra “toponímia” deriva de duas palavras gregas τόπος (tópos), que significa lugar, e õνομα (ónoma), nome, ou seja, o nome de um lugar. A toponímia estuda os topónimos (nomes próprios dos lugares), a sua origem e evolução. Esta caracteriza-se como parte da linguística, com vínculo à história e geografia de uma determinada região e a interacção com esta por parte dos seus habitantes. Igualmente, os topónimos madeirenses estão ligados à história e geografia do arquipélago, onde os descobridores e primitivos povoadores empregaram vocábulos para designar coisas e lugares. Assim, estes vocábulos, convertidos em nomes próprios, em cinco séculos da história das ilhas conservaram-se alguns, quase inalteráveis até aos dias de hoje.
(Foto do autor)
Com a chegada dos descobridores e primitivos povoadores às ilhas do arquipélago madeirense, logo procederam a uma rápida exploração através do litoral, onde efectuaram desembarques e reconhecimentos nos pontos de acesso fácil, por forma a preparar o movimento colonizador ou povoador, que iria desde logo iniciar-se nas décadas seguintes à data do descobrimento ou reconhecimento. Muitas saliências da costa marítima, portos naturais, ribeiras, elevações montanhosas, lombos e lombadas, vales e escarpas, receberam então o seu baptismo, ficando os seus nomes para sempre inscritos na memória dos seus descendentes.
(Foto do autor)
A maior parte desta memória, actualmente, encontra-se inscrita em placas solitárias, que ilustram aos visitantes e locais os nomes de sítios e lugares. Estes nomes têm cada um a sua designação envolta numa crónica histórica, muitas vezes perdida no tempo, por desuso, por corruptela ou pela evolução linguística onde se transformaram em topónimos que há primeira vista não correspondem ao seu significado próprio e absoluto.
Nesta perspectiva, podemos dar por exemplo os topónimos, Jamboto, Jamboeiro e Trapiche, todos sítios povoados do Funchal, onde o primeiro é corruptela de João Boto (antigo povoador), o segundo é corruptela de João Boieiro (talvez habitante ou proprietário deste lugar) e o terceiro é o nome de um primitivo engenho de moer cana-de-açúcar.
Nesta perspectiva, podemos dar por exemplo os topónimos, Jamboto, Jamboeiro e Trapiche, todos sítios povoados do Funchal, onde o primeiro é corruptela de João Boto (antigo povoador), o segundo é corruptela de João Boieiro (talvez habitante ou proprietário deste lugar) e o terceiro é o nome de um primitivo engenho de moer cana-de-açúcar.
O lugar, onde se situava o trapiche (o engenho), passou-se a designar pelo sítio do Trapiche. Neste, foi construída uma Quinta com mesmo nome (Quinta do Trapiche), com casa de campo e capela anexa, dedicada a Santana (Santa Ana) e São João, edificada no ano de 1814 pelo seu proprietário, o Sargento-mor João António de Gouveia Rego. Foi nesta Quinta que, no ano de 1923, os «beneméritos Irmãos de São João de Deus estabeleceram um hospital de alienados», com o nome de Casa de Saúde do Trapiche ou Casa de Saúde de São João de Deus, segundo o Elucidário Madeirense.
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Sítio do Trapiche - Santo António - Funchal
(Casa de Saúde de São João de Deus ou Quinta do Trapiche - foto do autor)
(Casa de Saúde de São João de Deus ou Quinta do Trapiche - foto do autor)
O topónimo Trapiche, alguns anos a esta parte, passou a “sinónimo” de hospital de alienados ou psiquiátrico, sendo comum e vulgar dizer-se que “se está louco vai para o trapiche”. Por outro lado, o vocábulo “trapiche”, presentemente na linguagem popular madeirense, designa “local de barafunda ou casa de loucos”, ou simplesmente, local onde existe “muita confusão onde ninguém se entende”, ou seja, um “trapiche”. Assim, o termo anterior citado, “trapiche”, com o passar dos anos será sempre sinónimo de “confusão ou barafunda” fazendo parte dos regionalismos locais. Por tudo isto se pode deduzir que, muitas vezes, se torna difícil investigar a origem dos topónimos de qualquer região.
Solar dos Esmeraldos
(Lombada dos Esmeraldos, conhecida pela Lombada da Ponta do Sol - foto do autor)
(Lombada dos Esmeraldos, conhecida pela Lombada da Ponta do Sol - foto do autor)
Que quererá significar o topónimo Jangão, sítio da Freguesia da Ponta do Sol, sede do antigo morgadio do Vale da Bica, instituído em 1522 pelo flamengo João Esmeraldo? Terá a sua origem em vocábulos africanos ou indianos, trazidos por escravos? Do vocábulo Jangão, tudo leva a querer que tenha relação com o vocábulo Jangal (floresta selvagem, selva, mata densa, ou simplesmente, local deserto ou ermo), ou jangaz (indivíduo muito alto e desajeitado, jangana)? Seria alcunha do citado proprietário ou de algum seu herdeiro? Em que ficamos!?
Vale de Machico
Pico do Poiso e Poiso
(Foto do autor)
E o Machico (Machiquo)? Que tanta tinta fez correr em palavras na lenda de Machim, passando pelo marinheiro de barca, caravela ou nau, de nome Machico! O cartógrafo Benedetto Bordone (Veneza, 1528) atribui-lhe ao topónimo de Moncrico! (1) Os primeiros navegadores e descobridores ao avistarem o profundo e lindíssimo vale de Machico, não se terão recordado do verdejante Monchique do reino do Algarve! Machico será a corruptela de Monchique? E, por falar de Monchique, recorda-se que num mapa de Portugal de Fernando Álvaro Seco, publicado em Roma em 1561, este topónimo é denominado de Mochiques (Móchique) (2). Cem anos depois (1662), Pedro Teixeira Albernaz intitulou-o de Montachique no seu mapa! (3) Contudo, não queremos entrar em igual debate, narrado no Elucidário Madeirense no artigo «Machico (Origem do nome de)» (4), entre o grande escritor Camilo Castelo Branco, no seu livro «Historia e Sentimentalismo» (Lenda de Machim), e Pinheiro Chagas em 1879. Por outro lado, não somos especialistas em toponímia, filologia ou etimologia, para nos ocuparmos sobre a complexidade destes temas.
(Foto do autor)
Finalmente, outros mais topónimos aqui se poderia enunciar, onde em complemento à nossa "fértil" imaginação nos leva para as dúvidas e fantasias. Porém, qualquer tentativa de interpretação ou investigação de topónimos de qualquer lugar, estaremos sujeitos à crítica colectiva, em que se julga "o ser pode não o ser", e daí, a complexidade dedutiva relativamente à toponímia do Arquipélago da Madeira, de qualquer região ou lugar.
Para tal, nesta "andada se Trompica, ao subir por um Arrebentão, no cimo da Assomada, ao passarmos rápido pela Corrida, logo a seguir ao Passo, descansamos no Poiso, logo abaixo da Portela, vendo ao longe o disfarce do Bugio"!
Para tal, nesta "andada se Trompica, ao subir por um Arrebentão, no cimo da Assomada, ao passarmos rápido pela Corrida, logo a seguir ao Passo, descansamos no Poiso, logo abaixo da Portela, vendo ao longe o disfarce do Bugio"!
(Foto do autor)
Notas:
(1) - Governo Regional da Madeira (1986). Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira. Secretaria Regional do Turismo, Cultura e Emigração - Direcção Regional dos Assuntos Culturais. Funchal. Volume I, página n.º 147.
(2) e (3) - ALEGRIA, Maria Fernanda (1986). O Povoamento a Sul do Tejo nos séculos XVI e XVII, Análise Comparativa Entre Dois Mapas e Outras Fontes Históricas. Revista da Faculdade de Letras - Geografia. Porto. I Série Vol. I pag. 179 e 206, (Povoações do Distrito de Faro). (pdf).
(4) - SILVA, Padre Fernando Augusto da, MENESES, Carlos Azevedo de, (1984). Elucidário Madeirense. Fac-símile da edição de 1946. Secretaria Regional de Turismo e Cultura - Direcção Regional dos Assuntos Culturais. Funchal. Volume II pág. n.º 296 (Machico - Origem do nome de).
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(2) e (3) - ALEGRIA, Maria Fernanda (1986). O Povoamento a Sul do Tejo nos séculos XVI e XVII, Análise Comparativa Entre Dois Mapas e Outras Fontes Históricas. Revista da Faculdade de Letras - Geografia. Porto. I Série Vol. I pag. 179 e 206, (Povoações do Distrito de Faro). (pdf).
(4) - SILVA, Padre Fernando Augusto da, MENESES, Carlos Azevedo de, (1984). Elucidário Madeirense. Fac-símile da edição de 1946. Secretaria Regional de Turismo e Cultura - Direcção Regional dos Assuntos Culturais. Funchal. Volume II pág. n.º 296 (Machico - Origem do nome de).
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Preâmbulo
Genericamente no Arquipélago da Madeira, a toponímia perfilha muitas vezes, a relação cultural - religiosa com as localidades, na interacção dos seus habitantes, onde se pode incluir o usufruto e propriedade dos lugares, existindo em muitos casos, topónimos com origem em antropónimos.
Igualmente, outras referências toponímicas no arquipélago madeirense têm uma proveniência quase "natural", que indicam uma contingência geográfica, classificação geomorfológica, fitológica e faunística, a existência de determinado acontecimento, facto ou fenómeno, relacionando-se com a sua origem ou não, numa linguagem popular e arcaica. Neste sentido, muitos topónimos, aparecem-nos sob a forma de substantivos ou nomes, que podem ter ou não, um carácter elucidativo ou descritivo do lugar, que praticamente desapareceram do vocabulário do dia a dia dos madeirenses e porto-santenses.
Poderemos ainda nos aventurar a expressar, que na comparação com a toponímia de outros espaços geográficos, que pela sua semelhança e acepção, leva-nos a concluir que a origem ou significado etimológico da mesma, relaciona-se genericamente com a origem geográfica dos madeirenses e porto-santenses, para além de poderem ter sofrido modificações ao longo de cinco séculos, mesmo havendo topónimos únicos de cariz regional.
Neste singelo ensaio, propusemo-nos a tentar contribuir para um modesto esclarecimento da origem, significado e tentativa de interpretação, dos topónimos do arquipélago madeirense, embora correndo o risco de muitas vezes fundamentarmos as nossas explicações, com um mero “devaneio toponímico” ou suposições mais ou menos imaginativas, que por vezes poderão estar afastados da veracidade. Muitos topónimos serão quase totalmente desconhecidos, não só pela sua complexidade e “compreensão etimológica”, como por corruptela.
Temos um trabalho intrincado e demorado pela frente, e tentaremos apresentar a recolha possível e interpretação da toponímia rústica madeirense, por ordem alfabética, de “A” a “Z”, efectuada sob o ponto de vista do interesse histórico - cultural (não científico), ilustrando-se com fotos, tendo por base como fontes bibliográficas principais: COSTA, J. Almeida e MELO, A. Sampaio (1990). Dicionário da Língua Portuguesa (1990). Dicionários “Editora”. 6.ª Edição. Porto Editora Lda. Porto. FRUTUOSO, Gaspar (1998). Saudades da Terra - Livro II. Palavras prévias de João Bernardo de Oliveira Rodrigues e revisão de texto e reformulação de índices por Jerónimo Cabral. Instituto Cultural de Ponta Delgada. Ponta Delgada. SERVIÇO Cartográfico do Exército (1974). Carta Militar. Serie P 821. Edição 1 - S. C. E. P. (Trabalhos de Campo de 1965). Lisboa. NORONHA, Henrique Henriques de (1996). Memórias seculares e eclesiásticas para a composição da história da diocese do Funchal na Ilha da Madeira. Secretaria Regional do Turismo e Cultura. Centro de Estudos de História do Atlântico. Funchal. SILVA, Padre Fernando Augusto da e MENESES, Carlos Azevedo de, (1984). Elucidário Madeirense. Fac-símile da edição de 1946. Secretaria Regional de Turismo e Cultura - Direcção Regional dos Assuntos Culturais. Funchal. Volumes I, II e III. SILVA, Padre Fernando Augusto da (1934). Dicionário Corográfico do Arquipélago da Madeira. Edição do Autor. Funchal. SILVA, Padre Fernando Augusto da (1950). Vocabulário Madeirense. Edição da Junta Geral do Funchal. Funchal. Assim, seguimos o objecto desta simples página – Lugares:
Post-Scriptum:
- Como exemplo da complexa origem da toponímia madeirense e com o rigor nato e científico do seu autor, aconselha-se a consultar o artigo abaixo indicado!
- Como exemplo da complexa origem da toponímia madeirense e com o rigor nato e científico do seu autor, aconselha-se a consultar o artigo abaixo indicado!