15/02/2008

Regime silvo-pastoril no Arquipélago da Madeira: breves notas para o seu estudo

Serras de São Roque - Funchal
(Foto do Autor)

Segundo, Gaspar Frutuoso (1522-1591), citado pelo tenente-coronel Alberto Artur Sarmento (Mamíferos do Arquipélago Madeira, 1936), por ocasião do reconhecimento da Ilha da Madeira, desembarcou da caravela de Zarco, elementos da guarnição com a finalidade de reconhecer a nova terra e caminhando pelo interior, trouxe depois a notícia de não «haver animais ferozes, nem bichos peçonhentos e nocivos, não encontrando quadrúpedes, nem vestígios dos mesmos» (Saudades da Terra L.º II.º Cap. XIII). Esta batida efectuada pela selva madeirense, de grande arvoredo impenetrável, estendia-se desde as beiras do oceano até aos cumes das montanhas, era apenas domicílio de aves e morcegos.
Foi dada a notícia no regresso a Portugal, pelos navegadores, e o Infante D. Henrique, ao destinar o povoamento, fez diligenciar os animais que melhor julgou ajustado, aos quais o historiador das Ilhas (Gaspar Frutuoso), chama gado grosso e miúdo que bem se deram na mudança, reproduzindo-se admiravelmente.
Ainda, segundo Alberto Artur Sarmento (1936), entende-se por gado grosso, - o cavalar, muar, asinino e bovino; e por gado miúdo - o ovino, caprino e suíno. Do Algarve veio a maior parte dos animais, pois nos seus portos se aviavam as caravelas que velejavam mar em fora, no rumo ás terras descobertas ou á procura doutras, mais adiante.

Serras do Fanal - Ribeira da Janela - Porto do Moniz
(Foto do autor)

O gado grosso, seria destinado ao serviço pessoal e agrícola, condução e lavra, inicialmente nas fazendas, ao abrigo do palheiro (estábulo) e o gado miúdo, «do curral passou aos montes a abastecer-se, dispersando-se na profundeza dos vales, galgando a cordilheira, a procurar abrigo nos algares de enxurrada ou nas cavernas naturais da encosta».
Em poucos anos era já abundante o gado na serra, pois, nas Cartas de Doação, lhe apraz o Infante D. Henrique, «que os gaados brabos posam matar os da ylla asy em hua parte como em outra sem Embargo doutra defesa Ressalvamdo hos gaados que amdã em hos ylheos ou outro algum lugar cerrado que ho lamçe y ho senhorio». E, havendo áreas da Madeira invadidas pelo gado, em prejuízo das culturas de altitude, e D. Manuel, ainda duque, governador do Mestrado, manda ao capitão do Funchal que dê «curraes na serra pera o gado» (Carta de 22 da Junho de 1492 registada no Arq. Geral da C. M. F. a fls. Rb. 45 do T.I., citada por Sarmento, 1936).
Levantaram-se dúvidas quanto à «posse dos animais bravios, e veio então nova carta de Estremoz, lida na vereação do Senado da vila do Funchal, em 26 de Março de 1497, confirmando as antigas disposições, era do infante D. Henrique, concedidas para «que todos possam matar gado sem pênna» (Sarmento, 1936).
Os pastores deviam olhar pelo seu gado, e assim, estipularam marcá-lo com um sinal privativo e bem distinto, que geralmente incidia sobre a orelha do animal (orelha forca, orelha mossa, orelha de três farpas, e orelha troncha safada fora), apartando as rezes, a que acudia naturalmente a sua criação. Controlava-se, portanto, duma maneira elementar, o pagamento da dízima, a pagar pelo gado bravio. A reunião era feita «ao toque de búzio».

Maciço Montanhoso Central da Ilha da Madeira 
(Foto do autor)

O porco bravo era caça livre, já desde o final do século XV, em que foi reconhecido o dano causado pelo «focinhador dos regueiros que transviavam as águas». Na abertura das levadas, podiam os trabalhadores matá-los para seu sustento, compensando o dono, com uma minguada indemnização, mas nem isso se lhes exigia depois, ficando abrogada (abolida) a pena anteriormente imposta (Sarmento, 1936).
Uma «antiga determinação do senado da ilha do Porto Santo, proibia, em absoluto, o gado caprino, à solta. Em vereação de 15 de Março de 1662, houve o Senado funchalense, por bem, pôr termo á liberdade porcina, arrecadando as penas da contravenção» (Sarmento, 1936).
No século XIX, a fim de nos apercebermos do estado em que se encontrava o património florestal nas serras da Madeira invadidas pelo gado, para além da exploração, do comércio e a da exportação das madeiras em larga escala, nos séculos anteriores, Paulo Dias de Almeida, Tenente Coronel do Real Corpo de Engenheiros e ajudante de campo do Brigadeiro Oudinot, na sua «Descrição da Ilha da Madeira de 1817/1827» (Carita, 1982), após a aluvião de 1803, relato-nos o seguinte:
«O centro da ilha se acha todo descoberto de arvoredo, com apenas algumas árvores dispersas, e isto em lugares onde os carvoeiros não têm chegado. Se tivessem posto em execução as Ordens e Cartas Régias relativas à conservação dos arvoredos, não teriam a cidade e as vilas sofrido os estragos do memorável aluvião de 1803. A experiência tem mostrado que a falta de arvoredos pelas margens das ribeiras e declives dos montes que sobre elas desaguam, é a causa da imensidade de rocha e terra que com as chuvas vem atulhando as mesmas ribeiras, cujo alveo, hoje está superior às ruas da cidade. A praia do Funchal, se tem alongado ao mar, desde 1803 até 1817, 150 palmos e em partes 250 e mais, com os entulhos que as ribeiras depositam.»

Porcos javalis, porcos bravos ou da serra
(Os varrões desta variedade têm defesas robustas, iguais em tamanho as do Sus Scrofa - Parque Florestal das Queimadas, Santana, foto do autor )

Neste contexto, a vereação da Câmara do Funchal, dirigia a seguinte petição a 3 de Janeiro de 1852 à então Rainha D. Maria II:
«Senhora,
Os grandes montes que formão a ilha da Madeira, em outro tempo cobertos de ricas matas e hoje despidos d'esse utilissimo ornamento, apresentam uma necessidade urgentíssima de serem novamente arborizados. As fontes desaparecem; a terra vegetal é arrastada pelas chuvas para o oceano; e os penedos escalvados, soltos da terra e das raízes que os sustentavao, precipitão-se também durante o inverno ameação ésta Cidade e todas as povoações de repetição dos extensos males produzidos pelas quebradas e pelas inundações que ellas ocasionão.
Esta necessidade, que todos os annos cresce, constitue a Câmara Municipal do Funchal na obrigação de implorar sempre ao Ilustrado Governo de Vossa Magestade todas as providencias possiveis que tendão a suspender os perniciosos effeitos da despovoação dos elevados montes da Ilha da Madeira.
O remédio mais efficaz e mais útil é o restabelecimento do arvoredo, começando pelas principais vertentes.
Nenhuma Terra Portuguesa carece mais d'este socorro do que a Ilha da Madeira. Em nenhuma outra será elle mais proveitoso ao Estado.
Deus guarde a Vossa Magestade. Funchal em Vereação, aos 3 de Janeiro de 1852. Assinado, Presidente: António Gonçalves d'Almeida; Vereadores: João José d'Ornellas Cabral, João de Freitas Corrêa da Silva, João Augusto da Silva Carvalho, João Licio de Lagos de Teixeira, António João da Silva Bettencourt Favilla.» (Eduardo de Campos Andrada, Repovoamento florestal no Arquipélago da Madeira - 1952-1975, Lisboa, 1990).

Serras de Santo António e São Roque - Funchal
(Foto do autor)

Enormes foram os prejuízos que estes animais, causaram às matas e florestas madeirenses, durante quatro séculos, que várias posturas municipais das câmaras, continham disposições referentes a bardos e pastagens, por forma a disciplinar a criação do gado a pastar livremente pelas serras. Neste contexto, já o «Regimento de 27 de Agosto de 1562», recomendava a «plantação de castanheiros e pinheiros nas terras adequadas a estas espécies, e proibia o corte de árvores sem licença das câmaras, não podendo este corte ser permitido em caso algum nos lugares onde houvesse fontes ou águas correntes». No «arquivo da Câmara Municipal do Funchal», segundo os autores do Elucidário, «estão registados muitos diplomas de onde se vê que nos séculos XVII e XVIII se cuidava mais do que hoje na conservação das matas, e em 1799, foi estabelecido um viveiro na freguesia do Monte, que segundo um relatório apresentado ás estações competentes pelo inspector da agricultura, distribuiu para cima de 20.000 árvores desde então até 10 de Agosto de 1823».
O regime «silvo-pastoril» no arquipélago, esteve sempre associado a quem detinha o poder político-administrativo das ilhas. Recorda-se que, a administração dos «serviços florestais», estivera até esta época, na incumbência dos capitães-donatários e seus «ouvidores», das Câmaras Municipais, aos governadores do arquipélago, e posteriormente os governadores civis do distrito. Desde o ano de 1897, que estes serviços estavam confiados a uma «repartição dirigida por um regente florestal». Uma lei nacional de 9 de Julho de 1913, criou quatro secções florestais no País, dividindo-o em zonas, «ficando a do Funchal com o n.º 25 e compreendida na quarta secção, com sede em Lisboa», (Elucidário Madeirense, 1946).
Em 23 de Julho de 1913 e 22 de Setembro de 1917, foram publicados os decretos que ficaram conhecidos pelo nome de «Lei das pastagens de gados nas serras». Estes decretos, estabeleciam «disposições acerca das pastagens em prédios de propriedade particular e nos terrenos do Estado ou das câmaras, tendo-se em vista acautelar os prejuízos causados pela livre pastoreação dos gados». Estas disposições, expressavam as regras quanto à forma de criação em liberdade do gado bovino, ovino, caprino e suíno, que pastavam nos logradouros comuns ou baldios e montados, proibindo essencialmente a criação de cabras e porcos nas serras madeirenses, (Elucidário Madeirense, 1946).

Paul da Serra, visto do Pico do Cedro - Funchal
(Foto do autor)

Vivia-se um período de instabilidade política e social da 1.ª República Portuguesa e a implantação desta «Lei» provocou descontentamento popular de tal modo que, os grandes incêndios «desde 21 a 28 de Agosto de 1919 destruíram muitas das valiosas matas madeirenses, foram devidos aos criadores de gado, cuja irritação é grande por terem sido forçados a acatar as disposições da lei da pastagem nas serras da ilha da Madeira», (Elucidário Madeirense, 1946).
Entretanto, «mercê das posturas protegendo a rearborização das serras», o número dos caprideos, no estado selvático, foi «sensivelmente diminuído» […], «acusando a última estatística, apenas cerca de 13.000 cabeças». E, «uma caçada intensiva nas Serras do Poiso, em 1934 devastou a maior parte dos suínos bravos da região» (Sarmento, 1936).
No Estado Novo, e na prossecução da ampla obra de «Povoamento Florestal», realizado Portugal continental e ilhas adjacentes, aprovado pela Lei n.º 1971, de 15 de Junho de 1938, e nesta sequência, foi publicado em 22 de Fevereiro de 1951, o Decreto-Lei n.º 38 178, mandando pôr em execução o «Plano de Arborização dos Baldios da Ilha da Madeira», a par da protecção dos arvoredos existentes, autóctones ou exóticos, e criando para esse efeito a «Circunscrição Florestal do Funchal». Esta circunscrição foi subdividida em duas administrações: a «Administração Florestal do Funchal» e a «Administração Florestal da Ribeira Brava». A primeira abrangia a parte leste da Madeira e a ilha do Porto Santo. E a segunda parte, a oeste da Madeira. Em cada uma destas Administrações Florestais, eram superintendidas um engenheiro silvicultor coadjuvado por um regente florestal.
O supracitado Plano de Arborização dos Baldios da Ilha da Madeira», formalizou para além objectivos de arborização, onde foram tomadas medidas em consideração algumas das utilizações que os habitantes faziam dos baldios, como a colheita de lenhas secas e varas, a apanha de matos e feiteira, e, até as próprias zonas de pastagem de gado lanígero e vacum. Assim, o regime silvo-pastoril foi disciplinado, em «defesa dos arvoredos que protejam os terrenos, beneficiando as nascentes». Por outro lado, foram criados os «perímetros florestais» na Madeira e Porto Santo. Nestes perímetros, foram delimitados nas zonas dos baldios, as áreas reservadas para pastagem, condicionando o número de cabeças de gado a ser admitido em cada uma das mesmas, de acordo com as próprias possibilidades de apascentação, sendo construídos ovis para recolha do gado e casas de abrigo para os pastores, (Eduardo de Campos Andrada, Repovoamento florestal no Arquipélago da Madeira - 1952-1975, Lisboa, 1990).

Ovil - Chão das Feiteiras - Ribeiro Frio
(Foto do autor)

Em 1970, a Lei n.º 9/70, de 19 de Junho, abriu caminho à criação de parques nacionais e outros tipos de reservas, permitindo constituir-se pelo Decreto n.º 187/71, de 8 de Maio, o Parque Nacional da Peneda-Gerês e seguidamente, pelo decreto 355/71, de 16 de Agosto, a Reserva da Serra da Arrábida onde subsistia a flora mediterrânica primitiva. Quanto às Ilhas Adjacentes (Madeira e Açores), apenas foi criada a reserva das Ilhas Selvagens pelo Decreto n.º 458/71, de 29 de Outubro, com vista à «defesa e ordenamento da flora e faunas naturais, do solo, do subsolo e das águas». Igualmente, o Estado adquiriu por esta altura as ilhas Desertas com vista ao mesmo objectivo.
Pela «Circunscrição Florestal do Funchal», nos termos da legislação supracitada, em 1974, foi proposto a criação de um Parque Natural da Ilha da Madeira, constituindo-se em reservas integrais e naturais que «assegurem as restrições que se impõem e as servidões que poderão consentir-se, de harmonia com planos de ordenamento convenientemente estudados, e mercê de um regulamento próprio», (Eduardo de Campos Andrada, Repovoamento florestal no Arquipélago da Madeira - 1952-1975, Lisboa, 1990).
No período de mudança de regime político em Portugal (1974/75), através do Decreto n.º 13/75 de 15 de Janeiro, foi incumbido o Subsecretário de Estado do Ambiente, através da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, a proceder ao estudo de constituição do Parque Natural da Madeira, «considerando o alto valor ecológico, científico e recreativo da área envolvente do maciço montanhoso central da ilha da Madeira». No artigo n.º 2, do referido decreto, foi definido a delimitação da área do Parque Natural, assim como, foram criadas «restrições previstas pelo Decreto-Lei n.º 576/70, de 24 de Novembro », conforme o seu artigo n.º 2.
Contudo, a desmesura própria dos períodos revolucionários, descorou-se a fiscalização até aí vigente, quanto à apascentação do gado nas serras, havendo em muitos casos a reintrodução de caprinos e suínos, nos terrenos e matas particulares. Recorda-se que nos anos 80 do século XX, ainda havia gado suíno no Montado do Barreiro, actual Parque Ecológico do Funchal.
Com o processo autonómico, o território do arquipélago madeirense passou a ser gerido pelos órgãos de governo próprio da Região Autónoma da Madeira. Refira-se que o Parque Natural, era dirigido directamente pelo Serviço de Reservas e Parques Naturais, da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, em Lisboa, até à constituição da Direcção Regional dos Parques Naturais da Madeira.

Paul da Serra
(Foto de parapente de autor desconhecido)

Em 1979 a Assembleia Regional da Madeira nos termos da alínea b) do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 318-D/76, de 30 de Abril (Estatuto Provisório da Região Autónoma da Madeira), aprovou o Decreto Regional n.º 21/79/M, de 27 de Setembro, que «estabelecia» (?) «a criação, de facto», do Parque Natural da Madeira, instituído pelo Decreto n.º 13/75, de 15 de Janeiro, «que virá a englobar certamente uma vasta superfície montanhosa da ilha (talvez superior a 20000 ha)».
Segundo o decreto anterior (o n.º 21/79/M), «o regime silvo-pastoril também não pode deixar de considerar os aspectos referidos» […], «na medida certa, para que se não entre na liberdade plena de apascentação como o pretendem os chamados pastores, proprietários de gado nas serras, nem na restrição absoluta de criação de gado nas serras, com o notório prejuízo de alguns compartes ou utentes dos baldios de reduzida capacidade económica». Assim, face à «multiplicidade de interesses, aparentemente contraditórios, torna-se imperiosa a intervenção do Governo Regional na definição e regulamentação do regime silvo-pastoril de maneira a assegurar resultados estáveis e equitativos», e igualmente, «convirá assegurar a colaboração dos pastores, cuja actividade, se não for convenientemente orientada, com facilidade poderá assumir carácter nefasto». Por outro lado, o referido diploma, previa por parte do Governo Regional «o controle da apascentação nas serras da Madeira» e previa «a constituição de comissões de pastores», tendo em consideração as «associações de agricultores, através das quais os mesmos possam manifestar as suas opiniões, defender os seus interesses e colaborar com os serviços oficiais».
Ainda, de acordo com o mesmo decreto regional, o «gado ovino e bovino», cuja apascentação seja permitida, «deverá ser sempre arrebanhado, só se admitindo a livre apascentação, a título excepcional e temporário» (tempo este, a definir pelas comissões concelhias), ou em «terrenos que estejam completamente vedados». A «apascentação ou simples entrada de gados caprino e suíno nos baldios, assim como, nos terrenos e matas do Governo Regional e das câmaras municipais, é proibida». Nas propriedades particulares a existência dos mesmos gados «só é permitida em boas condições de encabeçamento e quando haja completa e perfeita vedação», e o «gado suíno e caprino que se introduza em terrenos privados com culturas susceptíveis de serem danificadas poderá ser abatido pelos proprietários desses terrenos, caso a sua captura seja impossível ou perigosa». Nestas circunstâncias legislativas, muitos proprietários de gado, constituíram-se em associações e cooperativas de criadores de gado.

Fanal - Ribeira da Janela - Porto do Moniz
(Foto do autor)

Em 1982, pelo Decreto Regional n.º 14/82/M, de 10 de Novembro , foi definido praticamente o «actual enquadramento legal» do Parque Natural da Madeira, destinado a «realizar um planeamento científico a longo prazo, valorizando o homem e os recursos naturais existentes». A instalação do Parque, segundo o mesmo diploma, só era possível com «ordenamento silvo-pastoril que condicione o pastoreio a zonas bem determinadas e que pressione o rebanhamento dos gados». Ainda mais acrescenta o mesmo diploma que, «o regime silvo-pastoril, tendo sido já objecto de regulamentação, terá forçosamente de se conciliar aos interesses do Parque Natural, cingindo o pastoreio em zonas bem definidas, de maneira a não comprometer os objectivos do Parque Natural da Madeira». Assim, de acordo com o anterior citado diploma, para além das atribuições do Parque Natural da Madeira, foram criados os seus limites, as zonas de reservas naturais integrais e parciais, de paisagem protegida, de reserva de recreio e montanha, e zonas de repouso e silêncio, de caça e de pastoreio. As zonas de pastoreio, foram definidas em áreas onde era possível haver pastoreio, embora condicionado a um ordenamento. Constituía a contravenção deste diploma «o pastoreio fora das zonas, para esse efeito já determinadas pelo regime silvo-pastoril, ou de outras que posteriormente venham a ser interditas à apascentação de gado por diploma do Governo da Região Autónoma da Madeira».
Em 1988, foi revogado o Decreto Regional n.º 21/79, de 27 de Setembro, pelo Decreto Legislativo Regional n.º 7/88/M, sendo foi instituído o na Região Autónoma da Madeira um novo regime silvo-pastoril que reforçou a anterior legislação e criou outras regras para as zonas de pastoreio tais como nos, baldios das serras do Poiso, zona do Curral Falso (Ribeira da Janela/Seixal), zona da Terra Chã (Seixal), Lombada das Vacas (concelho de São Vicente), zona do Cascalho (São Jorge), zona do Pico do Eixo e Cova da Roda, Serras de Santo António, águas pendentes para sul do concelho da Ribeira Brava, Ponta do Sol e Calheta, águas pendentes para sudoeste do concelho de Porto Moniz, e zona do Chão da Lagoa. Acresce que, nestas zonas a apascentação é proibida nas áreas das cabeceiras das ribeiras, dos cimos dos cabeços; nas encostas muito declivosas, nas nascentes de cursos de água, e nos locais onde se verifiquem indícios de erosão. Mesmo nas propriedades particulares, a apascentação, só é permitida se estas «estiverem completa e perfeitamente vedadas, haja boas condições de encabeçamento do gado e tenha sido dada autorização para o efeito pelos serviços competentes», à Direcção Regional de Florestas.

Currais do Terreiro do Freixo - Serras do Funchal
(Foto do autor)

Neste período e na sequência da legislação em vigor, foi posto em execução um plano de racionalização do regime silvo-pastoril, por parte dos serviços competentes, com vista à retirada de ovinos e caprinos de terrenos de aptidão florestal ou de incultos em concertação com os criadores de gado, e foi novamente alterado o regime de protecção dos recursos florestais, através do Decreto Legislativo Regional n.º 21/89/M, de 1 de Setembro, com a finalidade de protecção desses mesmos recursos, «numa perspectiva futura, com ao ordenamento florestal, permitindo conciliar as funções de produção com as de protecção ambiental e de usufruto lúdico e atender à existência das actividades económicas inseridas no espaço florestal».
Em 2000, foram inseridos 11 sítios da Região na denominada Rede Natura 2000, alguns dos quais incluídos no espaço florestal, o que justificou «rever a legislação», de modo a assegurar a conservação desses habitats naturais, bem como da sua biodiversidade.
Na execução do «Plano de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração da Região Autónoma da Madeira de 2003 (PIDDAR)», «tendo em vista a racionalização do regime silvo-pastoril» foram iniciadas e concluídas neste ano, catorze acções de retirada de ovinos e caprinos de terrenos de aptidão florestal e/ou de incultos, envolvendo um total de 5.945 animais e uma área de intervenção de 3.874 hectares, nomeadamente nas serras do Curral das Freiras, dos Prazeres, da Ponta do Pargo, da Fajã da Ovelha, do Estreito da Calheta, da Serra d’Água e de Santana. Também em 2003, foram concluídas três retiradas iniciadas em 2002, abrangendo 3.909 animais e uma área de intervenção de 1.250 hectares, nomeadamente no Caldeirão Verde e nas serras de São Roque e de Santo António (RAM, execução do PIDDAR 2003). Ainda segundo o «PIDDAR 2003», para além das acções referidas anteriormente, destaca-se o apoio a nove cooperativas de criadores de gado da serra, sendo sete de bovinos e duas de ovinos, que desenvolvem pastoreio ordenado e controlado, apoio às tosquias feitas por cooperativas que desenvolvem pastoreio controlado, realização de reuniões de sensibilização, com criadores de gado, para elucidação sobre a necessidade do ordenamento silvo-pastoril e da protecção ambiental, reparação e melhoramento de infra-estruturas e acessos, e fiscalização no cumprimento da legislação em vigor.
Assim sendo, esta «racionalização do regime silvo-pastoril», através da retirada, gado em livre apascentação nas zonas de aptidão florestal, proporcionou adequado ordenamento e contribuindo para «maximizar a eficácia das iniciativas dirigidas à conservação do solo, das águas e do coberto vegetal, na perspectiva de restabelecer o equilíbrio biológico e biofísico nos espaços de intervenção a curto e a longo prazo». Actualmente, encontra-se em curso o repovoamento florestal das zonas altas das bacias hidrográficas do Funchal e de Câmara de Lobos, e no planalto do Paul da Serra, possibilitando assim a recuperação do coberto vegetal e regeneração natural.

Pico Grande
(Entre as freguesias da Serra de Água e do Curral das Freiras - foto do autor)

Em 2008 foi estabelecido um novo regime de protecção dos recursos naturais e florestais através do Decreto Legislativo Regional n.º 35/2008/M, de 14 de Agosto, que revogou os Decretos Legislativos Regionais n.os 7/88/M, de 6 de Junho, e 21/88/M, de 1 de Setembro, que estabeleceram o «regime silvo-pastoril e regulam a protecção dos recursos florestais, respectivamente». Assim, alvitra o «ponto n.º 1» do no art.º 14 (apascentação), do citado diploma de 2008, que continua a ser «proibida a livre apascentação das espécies asinina, bovina, caprina, equídea, ovina e suína».
Num artigo publicado no Jornal da Madeira de 15-03-2008, escrito pelo jornalista Miguel Ângelo, foi dado a conhecer que o processo de erradicação na Madeira e no Porto Santo, «de suínos, ovinos e caprinos soltos pelas serras, quer através da entrega voluntária, quer através das capturas, implicou a retirada de cerca de 50.000 animais, de uma área total de aproximadamente 51.400 hectares.
Durante os anos de 1983 a 1987, procederam-se à captura dos porcos que se encontravam soltos pelas serras. No entanto, devido à dificuldade em os capturar, grande parte desta captura foi feita com recurso ao abate, tendo deste modo sido capturados cerca de 5.000 porcos.
Em função de situações de incumprimento, entre 1983 a 2003 procedeu-se à captura média de 900 ovelhas e cabras/ano. Também aqui a captura revelou-se complicada, pelo que, muitas vezes, recorrendo-se ao abate, tendo sido capturados cerca de 19.000 animais.
Entre 1994 e 2003, procedeu-se a acções de retirada voluntária de ovelhas e cabras, com o acordo dos seus proprietários, tendo estes sido indemnizados pela perda de rendimento potencial dos animais. As indemnizações foram suportadas pelo Orçamento Regional e contaram com apoios da UE.»

Serras do Areeiro - Funchal
(Foto do autor)

Ainda mais acrescenta o supracitado artigo que, «em 2003 foi concluída a retirada voluntária de ovinos e caprinos, beneficiando 558 proprietários de animais e tendo sido retirados 26.338 animais, de 16.975 hectares, aproximadamente, em vinte e sete zonas na Madeira e no Porto Santo. Esta medida indemnizou cada animal em 187 euros (37.500 escudos) e envolveu um total de 4.676.529,27 euros (937.560 contos). Ao valor de 187,00 euros por animal, ainda se pode acrescer o valor médio de 63,00 euros, que é relativo ao benefício que cada proprietário pôde usufruir por ficar com a carcaça do animal, pois poderia vendê-la ou consumi-la.»
Concluindo, na Região Autónoma da Madeira, o actual silvo-pastoril, aliado o repovoamento e ordenamento florestal, permite e concilia as vantagens da produção florestal com as de protecção ambiental e atende à sustentabilidade futura da floresta indígena da Madeira, a Laurissilva e outros ecossistemas únicos no mundo.
Acresce, que a recuperação do coberto florestal, permite captar e fixar mais água, auxiliando a infiltração, alimentando as nascentes e protegendo os solos da erosão, atenuando os riscos naturais. É a sustentabilidade destes recursos deste arquipélago plantado no atlântico, assim como dos seus actuais e futuros habitantes.
Ao fim de cinco séculos, as usanças, só mudam de gerações em gerações!

Tosquias - Ribeira dos Boieiros - Camacha - Santa Cruz
(Foto do autor) 


Bibliografia:

ANDRADA, Eduardo de Campos (1990). Repovoamento florestal no arquipélago da Madeira (1952-1975). Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, Secretaria de Estado da Agricultura, Direcção-Geral das Florestas. Lisboa.
CARITA, Rui (1982). Paulo Dias de Almeida, Tenente Coronel do Real Corpo de Engenheiros e a Descrição da Ilha da Madeira de 1817/1827. Secretaria Regional de Turismo e Cultura - Direcção Regional dos Assuntos Culturais. Funchal.
FRUTUOSO, Gaspar (2008). As Saudades da Terra, História das Ilhas, do Porto Santo, Madeira, Desertas e Selvagens. Manuscrito do século XVI, anotado por Álvaro Rodrigues de Azevedo e introdução de Alberto Vieira. Fac-símile da edição de 1873, da Empresa Municipal Funchal 500 Anos. Funchal.
NEVES, Henrique Costa e VALENTE, Ana Virgínia (1992). Conheça o Parque Natural da Madeira. Secretaria Regional da Economia - Parque Natural da Madeira. Funchal.
SARMENTO, A. Arthur (1936). Mamíferos do Arquipélago Madeira. Oficinas do Diário de Notícias. Funchal.
SARMENTO, A. Arthur (1953). Freguesias da Madeira. 2.ª Edição, Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal. Funchal.
SILVA, Padre Fernando Augusto da e MENESES, Carlos Azevedo de (1984). Elucidário Madeirense. Fac-símile da edição de 1946. Secretaria Regional de Turismo e Cultura - Direcção Regional dos Assuntos Culturais. Funchal.

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