29/03/2011

Salvages Ilhas Selvagens

Selvagem Grande
(NASA Visible Earth)


Introdução e Generalidades


O Arquipélago da Madeira já era conhecido desde meados do século XIV por navegadores, que percorriam o Atlântico à procura das «paradisíacas ilhas atlânticas» ou do «paraíso perdido» da Antiguidade Clássica da Europa, onde fenícios e gregos narravam «odisseias» para lá das «Colunas de Hércules», que se perpetuaram na cartografia da época, desenhada por cartógrafos ibéricos e italianos.


Carta Portulano de Angelino Dulcert, Majorque, 1339

Na carta de Dulcert de 1339, «a costa africana e algumas das ilhas Canárias já eram referenciadas e anotadas. As ilhas madeirenses só aparecem desenhadas em 1351, numa carta do chamado atlas Mediceo e logo a seguir numa carta atribuída aos irmãos Pizzigani, de 1367, numa folha do planisfério catalão de Abraão Cresques, de 1375 (conservada na Biblioteca Nacional de Paris), na carta de Pinelli, de 1390», e também na «carta de Solleri, de 1385, além de várias outras». Nestas, «verificam-se algumas modificações dos contornos e do posicionamento relativo das ilhas de carta para carta, e ligeiríssimas alterações na grafia das designações da Madeira conhecida por Lenyame, Lecname ou Legname e das Selvagens por Selvagens ou Salvages, estas pela primeira vez apontadas, na carta dos Pizzigani de 1367», segundo Luís de Albuquerque e Alberto Vieira - «O Arquipélago da Madeira no Século XV». No ano 1489 na Carta Portulano do Cartógrafo Albino de Canepa, as Selvagens já eram uma «referência cartográfica» entre a Madeira e as Canárias, conforme se vê a figura abaixo colocada.


Carta Portulano do Cartógrafo Albino de Canepa, 1489

Segundo o Tenente-Coronel Alberto Artur Sarmento, na sua obra intitulada a «As Selvagens (1906)», refere que, é «a Diogo Gomes, navegador ao serviço do infante, mais tarde almoxarife do paço de Cintra, que se deve a primeira noticia da Selvagem, por um seu manuscripto intitulado De insulis primo inventis in oceano occidentis. Este manuscripto, existente na bibliotheca real de Munich, foi traduzido para allemão em 1845 pelo Dr. SchmelIer, e em 1899 vertido todo o codice do latim pelo sr. Gabriel Pereira, da Sociedade de Geographia de Lisboa.
«Em certo dia, vindo eu, Diogo Gomes pela ultima vez da Guiné, ao meio das ilhas Canarias e a da Madeira, vi uma ilha e estive n’ella, chamada ilha Selvagem.
«É estéril, ninguem habita ahi, nem tem arvores nem aguas correntes. As caravellas do senhor infante descobriram esta ilha e descendo em terra acharam muita urzella, que é uma herva que tinge os pannos de côr rubra, e acharam-na em grande abundancia.
«Depois, alguns pediram ao senhor infante que lhes desse licença para irem alli com as suas caravellas e podessem transportar a urzelIa a Inglaterra e Flandres; onde tem grande valor.
«O senhor infante deu-lhes licença, com a condição de lhe darem a quinta parte do lucro, o que fazem.
«E o senhor infante mandou para alli caprideos que se reproduziram muito bem'».
Diogo Gomes era moço da câmara do infante D. Henrique e foi também seu navegador. Numa navegação efectuada em 1456 esteve na embocadura do rio Grande (actual rio Geba, na Guiné) e terá, no regresso, subido o rio Gâmbia até Cantor, onde obteve as primeiras informações sobre as explorações mineiras no Senegal e Alto Níger e desembarcado nas ilhas orientais do Arquipélago de Cabo Verde. Em 1459/60 voltou à Guiné e explorou a região do rio dos Barbacins. No regresso de uma destas viagens «poderá ter descoberto» as Ilhas Selvagens. A data oficial da descoberta das ilhas ainda parece que continua a ser um enigma. Na consulta a vários autores, as datas da mesma, não são concordantes (?). 1438, é a data mais referenciada. Contudo como já foi dito anteriormente, as Selvagens já constavam da cartografia trecentista.



Planisfério catalão de Abraão Cresques, de 1375

Prosseguindo a supracitada obra do Tenente-Coronel Alberto Artur Sarmento «As Selvagens (1906)», «encorporados na corôa os bens do Mestrado de Christo, no reinado de D. Manoel, fizeram os reis concessões dos terrenos da Ordem a muitos fidalgos de sua casa e esforçados guerreiros que se distinguiram nas luctas de além-mar.
«No seculo XVI pertenciam estas ilhotas a uma família madeirense do titulo de Cayados.
«Um dos seus descendentes, o cónego Manoel Ferreira Teixeira, doou-as por 1560, a sua sobrinha D. Filippa Cabral de Vasconcellos, casada com José Ferreira de Noronha Franco, dos morgados das Selvagens.
«Quando em l863 foi posta em execução a lei da extincção dos morgados, alguns d’elles registaram officialmente os seus bens, tendo-se d’isso descurado o morgado Cabral de Noronha.
«Em 1904, os seus herdeiros venderam-n’as por posse incontestada ao sr. Luiz da Rocha Machado, seu actual proprietario». «As Selvagens (1906)» do Tenente-Coronel Alberto Artur Sarmento é uma monografia das ilhas Selvagens, nela dando conhecimento da sua história, geografia geologia, paleo-oceanografia, fauna, flora e das suas lendas até o início do século XIX». A estes conteúdos, de igual forma, são descritos no «Elucidário Madeirense» e nas «Ilhas de Zargo».



Selvagem Grande
(...) «por serem hermas, e desconversáveis assi de navegação como de gente» (...)
(Foto do autor)


Segundo o autor das «Ilhas de Zargo», «as Selvagens são denominadas por este nome, ‘por serem hermas, e desconversáveis assi de navegação como de gente, e com huns perigosos baixios, em distância de trinta léguas entre huma ou outra, as quais pode ser que sejam do número das doze’ que, segundo o historiador João de Barros, se dizem Canárias». Este ainda mais refere que, as Selvagens «em fins do século XVII, (…), faziam parte dum Morgadio administrado por uma família de Santa Cruz, da Madeira, do título genealógico Teixeira Caiado, ignorando-se os seus proprietários desde o tempo da colonização até aquela data. Em 1904, João Cabral de Noronha, descendente do morgado Cabral de Noronha vendeu-as ao banqueiro madeirense Rocha Machado, por cuja morte passaram à posse de seu filho, Luís da Rocha Machado, que guarda sobre elas o direito de coutada (…). A outros, se arrendam para caça e pesca, usufruindo-as também clandestinamente pescadores e caçadores canários da Ilha de Tenerife, seus próximos vizinhos».
O «carismático madeirense», Sr. João Borges, numa entrevista concedida ao semanário Tribuna da Madeira em Abril de 2003, com o título «Estado comprou as Selvagens ao banqueiro Rocha Machado», por ocasião da visita oficial pelo então Presidente da República Dr. Jorge Sampaio às Selvagens, refere que, as «Selvagens pertenceram inicialmente a um cónego da freguesia da Sé, no Funchal. Depois, passaram para a família Cabral Noronha. Mas um dos membros da família (ao perder muito dinheiro no jogo), ficou com grandes dívidas. Para as saldar, decidiu entregar as Selvagens ao banqueiro Rocha Machado».
(...) «Na década de 1940, Luís Rocha Machado (que tinha herdado as ilhas do pai), passou a alugar as ilhas durante várias semanas a um grupo de pessoas que incluía Rufino de Menezes, o comandante Paços Gouveia e João Batata.
«Todos os anos, na época em que as cagarras-bebés estavam gordas, o grupo ia até as ilhas para as apanhar. A ideia era extrair-lhes o óleo e guardar as penas e a carne para depois comercializar tudo».



Ninho de Cagarra
(Foto do autor)

«Alexandre Zino - um grande apreciador de aves - acompanhava o processo. Um dia, vendo que os exploradores já começavam a perder o interesse pelas Selvagens, propôs ao grupo acabar com a matança. Procurou Luís Rocha Machado e conseguiu ficar como locatário das ilhas, proibindo a caça das cagarras.
«Zino construiu nas Selvagens uma casa para estudar a vida das aves, tendo feito algumas descobertas curiosas, junto com dois investigadores do World Wildlife Fund (WWF). Zino teve sempre a intenção de tornar as ilhas una reserva natural, mas isso só aconteceu mais tarde, quando o Estado Português as adquiriu.
«A aquisição das Selvagens pelo estado aconteceu no início dos anos 70 numa altura em que o World Wildlife Fund (WWF) manifestou o interesse pela compra das ilhas com objectivos científicos. Mas Luís Rocha Machado decidiu dar prioridade ao governo português.
«Na cerimónia de aquisição estiveram presentes, o Governador da Madeira na altura, coronel Sobral, acompanhado do secretário de Estado do Tesouro, Costa André. Consta que foram vendidas por cerca de 1500 contos. Desde então as Selvagens pertencem ao Estado, tendo sido transformada em Reserva Natural.» Finalizou o Sr. João Borges, num artigo escrito pela jornalista Cármen Vieira, no citado semanário!
De facto, a escritura pública que titulou a aquisição das Ilhas Selvagens pelo Estado Português foi feita no «dia dezassete de Julho de mil novecentos e setenta e um» e custaram «um milhão de escudos». Na mesma escritura, ficou descrito que: na «Selvagem Grande» existe um lugar de abrigo com furna adjacente e cisternas, pertencente pessoalmente a Paul Alexander Zino (Boletim da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, 1971).
As Selvagens, foram classificadas como Reserva «até à batimétrica dos 200m», através do Decreto-lei n.º 458/71, de 29 de Outubro, dirigida directamente pelo Serviço de Reservas e Parques Naturais, em Lisboa.

Selvagem Pequena, Ilhéu de Fora e Ilhéus do Norte
  (NASA Visible Earth)


A 29 de Outubro de 2011, a Reserva das Ilhas Selvagens faz, a aprazível idade de 40 anos, inicialmente como «Reserva» (Decreto-lei n.º 458/71, de 29 de Outubro) e depois classificada como «Reserva Natural» (artigo 1.º do Decreto Regional n.º 15/78/M, de 10 de Março).


Selvagem Grande
(Foto do autor)



As Selvagens


O sub-arquipélago da Madeira


Enquadramento Geográfico - Geomorfologia e Geologia

As Ilhas Selvagens situadas no Atlântico Norte fazem parte integrante do Arquipélago da Madeira, e estão incluídas na divisão administrativa da Freguesia da Sé, concelho do Funchal. Geograficamente, as ilhas situam-se a cerca de 163 milhas, a Sul da Madeira e a cerca de 82 milhas, a Norte de Canárias. Coordenadas: 30° 01' 35" - 30° 09' 10" N / 15° 52' 15" - 16° 03' 15" W.



Carta Náutica - Selvagens
(Instituto Hidrográfico)

Este pequeno arquipélago é constituído por dois grupos de ilhas e ilhéus, separados à distância de cerca de 11 milhas, entre as profundidades das batimétricas: 423 m, 323 m e 351 m, (ver carta náutica), e dispõe-se no sentido NE-SW. O grupo setentrional (NE) é constituído pela Selvagem Grande e dois Ilhéus adjacentes (o Palheiro da Terra e o Palheiro do Mar), e o grupo meridional situado a SW do anterior, é constituído pela Selvagem Pequena, conhecida por Pitão Grande, e Ilhéu de Fora, também conhecida por Pitão Pequeno, e os Ilhéus adjacentes a estas: Ilhéu Grande, Ilhéu do Sul, Ilhéu Pequeno, Ilhéu Alto, Ilhéu Comprido, Ilhéu Redondo e os Ilhéus do Norte. Estes dispostos em «arco», se assim se pode descrever, estão separados por um estreito braço de mar de baixas profundidades.

Selvagem Pequena
(Foto do autor)

As Selvagens, com cerca de 27 milhões de anos, mais antigas que o Porto Santo, Madeira e Desertas, são datadas geocronologicamente da época do Oligocénico, do período Paleogénico (Terciário).
Este grupo de ilhas e ilhéus e afloramentos rochosos constitui a parte imergida de um edifício vulcânico, pertencente ao «Hotspot de Canárias», cuja base se encontra aproximadamente entre as batimétricas dos 3.000 e dos 4.000 metros de profundidade e que se foram construindo com as sucessivas erupções submarinas naquela área do Atlântico, sendo «aplanadas» pela erosão e sedimentação marinha. Segundo Carvalho e Brandão (Geologia do Arquipélago da Madeira-1991), «as Ilhas Selvagens estão geologicamente mais próximas das Ilhas Canárias que do restante Arquipélago da Madeira e que os três ilhéus principais das Selvagens encontram-se todos eles rodeados por recifes ou baixios maiores ou menores, alguns só visíveis na maré baixa». Estas, no seu conjunto têm uma área total de 281ha de área terrestre.


Baía das Cagarras - «Filões calcáreos»
(Casa de Alexander Zino, à esquerda da Casa dos Vigilantes - foto de José Santos)

O autor das «Ilhas de Zargo» refere que, as «Selvagens são atravessadas em vários sentidos por muitos filões de calcáreos, às vezes marmorizados, com espessuras que atingem mais de 1 m». Ainda mais refere que, as «Selvagens ligam-se todas pela curva batimétrica de 1.000m, os Ilhéus de Fora, Pequeno, Comprido e os do Norte, pela batimétrica dos 20m. Pela batimétrica dos 50, vemos que a erosão submarina tem actuado acima da batimétrica de 100m, aproximadamente a 70 ou 80m, construindo uma larga plataforma a Oeste, mas principalmente a N e a NE».

Selvagem Grande
(Foto do autor)

A Selvagem Grande é «constituída por quatro conjuntos de formação, sendo o inferior constituído essencialmente por corpos vulcânicos intrusivos e extrusivos, predominantemente fonolíticos, o qual está sob uma formação composta essencialmente por sedimentos marinhos fossilíferos que, por sua vez, está sob uma camada essencialmente basáltica, sobre a qual se encontra um tapete de areias organogénicas calcárias amareladas», (Carvalho e Brandão, Geologia do Arquipélago da Madeira-1991).


Planalto - Selvagem Grande
(A cerca de 100m de altitude - foto de José Santos)

A Selvagem Grande é a maior ilha e apresenta uma «forma pentagonal», com arribas altas em toda a sua costa, cortadas em declive precipitado do lado N, descaindo do planalto principal. As elevações mais altas desta Ilha, são o Picos dos Tornozelos, Inferno e Atalaia (sendo esta última a mais elevada, cerca de 163 metros), e delineiam-se vales muito largos, mas pouco profundos, pois os terrenos são mais ou menos planos. Esta, tem uma área de 245ha e uma linha de costa de cerca 9.500m. Na zona do planalto atinge o «seu maior comprimento de 2.000m desde a Ponta do Risco até a Ponta de Leste, com a maior largura de 1.700m da Ponta da Atalaia à Ponta Espinha e sobe a maior altura até cerca de 100m. É completamente árida e desabrigada», segundo o autor das «Ilhas de Zargo», e ainda mais refere, «que distinguem-se três costas nesta Ilha: a de leste, em forma de arco, alta (Pico dos Tornozelos) e de difícil ascensão, arenosa e rochosa; a costa de norte, rectilínea, também rochosa, alta e inclinada para o mar; a costa de oeste, alta, inacessível até o Pico da Atalaia, sendo mais suave e alcançável do lado da Ponta deste nome. Tem como ilhéus adjacentes o Palheiro da Terra e o Palheiro do Mar. O Palheiro da Terra, dista 850m da Selvagem Grande a NW, e o Palheiro do Mar, situa-se a 1.500m a WNW da Ponta do Risco e a 2.100m a NW do Cabeço da Atalaia. No planalto, «o basalto das encostas é colunar».

Basalto Colunar - Selvagem Grande
(Foto de José Santos)

Na Selvagem Grande existem várias grutas, presumivelmente consequência de canais de lava vulcânicos, entre as quais, a da Baía das Pedreiras e a do Pico do Inferno. A primeira, a 2m acima do nível do mar, tem cerca de 30m de comprimento e 2 de altura.
A Selvagem Grande é a primeira Ilha que se emblema no horizonte, geralmente à distância de 24 milhas e até de mais, se o permitirem as condições atmosféricas. Desta também se pode observar o Pico de Teide em Tenerife. Tem um pequeno desembarcadouro situado na Baía das Cagarras onde se encontra a casa dos Vigilantes do Parque Natural da Madeira e de onde parte o acesso ao planalto.
A Selvagem Pequena, também conhecida por Pitão Grande e o Ilhéu de Fora, igualmente conhecido por Pitão Pequeno, são os maiores ilhéus deste grupo insular, todos considerados primitivos focos vulcânicos. Sobre estes, Carvalho e Brandão (Geologia do Arquipélago da Madeira-1991) referem que, a Selvagem Pequena ou Pitão Grande «é constituída essencialmente por formações fonolíticas e basálticas, possuindo abundantes areias organogénicas calcárias, na sua parte central. O Ilhéu de Fora tem uma constituição geológica muito semelhante à da Selvagem Pequena».



Selvagem Pequena
(Foto do autor)

A Selvagem Pequena ou Pitão Grande, com uma área de 20ha, «tem uma forma bastante irregular, mede 800m de comprimento e 500m de largura». As suas arribas são baixas e rodeadas de algumas praias de areia e calhau rolado. A sua linha da costa pode medir 2.600m na preia-mar e 6.300 na baixa-mar», segundo o autor das «Ilhas de Zargo». A SE do Pico do Veado, existe um fundeadouro.
Nesta Ilha existe uma casa pré-fabricada (estação de vigilância), onde permanecem os Vigilantes do Parque Natural da Madeira, no período estipulado pelo mesmo.
O Ilhéu de Fora ou Pitão Pequeno, com uma área de 8,1ha, «da qual só emergem 500m de comprimento por 300m de largura e coberta de areia», a sua superfície, também aumenta as suas dimensões na baixa-mar.
Em termos de relevo, todos os ilhéus das Selvagens são de pouca altitude, sendo os pontos mais elevados de cada um dos dois ilhéus principais, o Pico do Veado, na Selvagem Pequena ou Pitão Grande, com cerca de 49 metros e o Pitão Pequeno ou Ilhéu de Fora, com cerca de 18 metros. A grande extensão deste planalto insular, para N e W mostra como são «violentos os mares destes quadrantes» e certamente, estas ilhas tinham no seu passado dimensões bastante maiores.

Selvagem Grande
(Foto do autor)


Clima


Pela situação geográfica e a condição de ilhas, as Selvagens sofrem a influência oceânica, «condicionadas» pelas correntes do Golfo e das Canárias e pelos ventos alísios oriundos de Nordeste. O seu clima pode ser considerado tipo oceânico subtropical, como algumas zonas costeiras das ilhas de Canárias, (outros autores classificam-no de subtropical marítimo).
A baixa altitude, não favorece a condensação e as nuvens arrastadas pelos ventos, passam sem que haja precipitação. Ocasionalmente, são afectadas por tempestades que formam no Atlântico acompanhadas de ventos provenientes de Norte ou de Oeste, que provocam chuvas torrenciais acompanhadas de trovoada durante algumas horas.
Por vezes, os ventos de Leste e de Sul precedentes do continente africano carregados de poeiras e massas de ar quente recordam a proximidade do Deserto do Saara, aumentando as temperaturas e reduzindo a humidade do ar. As temperaturas rondam os 15 e 20 graus centígrados, no Inverno. A presença de numerosas conchas de moluscos terrestres, segundo os especialistas, indicam que no passado o clima destas Ilhas foi mais húmido do que nos dias de hoje.


Flora e fauna terrestre

Selvagem Grande
(Foto do autor)

Biogeograficamente as Selvagens fazem parte de Macaronésia, assim como, os arquipélagos da Madeira, dos Açores, das Canárias e de Cabo Verde.
A vegetação da Selvagem Grande foi outrora usada com fins comerciais através da apanha da urzela, líquenes do género Nemaria que eram exportados para a Europa.
Cultivou-se também, na Selvagem Grande outras espécies vegetais com fins comerciais particularmente o sumagre (Rhus Coriaria) e o pastel (Isatis Praecox). Presentemente encontra-se em fase de recuperação os seus endemismos, após a retirada desta flora exótica e dos herbívoros (Coelhos) e roedores (Mus barbarus e Mus musculus), introduzida no passado, intencionalmente os primeiros e os segundos acidentalmente.
A Selvagem Pequena ou Pitão Grande e o Ilhéu de Fora ou Pitão Pequeno, constituem habitats únicos, com os ecossistemas inalterados. Estas ilhas por serem inóspitas, não criaram condições de colonização por parte do homem e ao que parece nunca ocorreu a introdução de herbívoros.
A flora terrestre das Ilhas Selvagens, na sua generalidade é de porte rasteiro, e reveste-se de um grande interesse científico. Esta compreende «cerca de 105 plantas vasculares distintas, das quais 11 são endémicas destas ilhas. Alguns exemplos são: Scilla maderensis var. melliodora, Argyranthemun thalassophilum, Lobularia canariensis ssp. rosula-venti e Euphorbia anachoreta». Esta última espécie surge unicamente no Ilhéu de Fora, (fonte, Parque Natural da Madeira). A vegetação das Selvagens tem mais afinidade com as Canárias do que com a Madeira.


(Pequena gruta com ninho de Cagarra - foto de José Santos)

As Ilhas Selvagens têm uma grande importância ornitológica. É uma das mais importantes colónias de aves marinhas do Atlântico. São um «santuário de nidificação» de aves que desfrutam condições peculiares e únicas.
A fauna vertebrada é representada por «8 espécies pertencentes a 3 famílias: Procelariidae (5 espécies), Laridae (2 espécies) e Motacillidae (1 espécie)».
Nas Selvagens existe a «maior colónia de Cagarras Calonectris diomedea borealis do Mundo, com uma população recentemente estimada em cerca de 18.000 casais».
A mais numerosa ave das Selvagens é «o Calcamar (Pelagodroma marina), com uma população superior a 40.000 casais. As outras aves marinhas são: Alma negra (Bulweria bulwerii), Roque de Castro (Oceanodroma castro) e o Pintainho (Puffinus assimilis) Garajau comum (Sterna hirundo) e Gaivota de patas amarelas (Larus cachinnans), estas duas anteriores, inferiores a 50 casais.



Corre Caminhos
(Única ave residente na Selvagem Grande, a merendar a ração do «fiel companheiro» dos Vigilantes do Parque Natural - foto de José Santos)

A única ave residente que pode ser encontrada durante todo o ano, é o Corre Caminhos (Anthus bertheloti bertheloti), considerada uma sub-espécie com características iguais à espécie que se encontra nas Ilhas Canárias, mas é diferente da existente no Arquipélago da Madeira».
Na Selvagem Pequena (onde não existem aves terrestres), evidencia-se «a grande colónia de Calcamar (Pelagodroma marina ) e a nidificação ocasional de Gaivina-rosada (Sterna dougallii) e de Gaivina-de-dorso-preto (Sterna fuscata)», (fonte, Parque Natural da Madeira).
As outras espécies de vertebrados destas ilhas são a osga (Tarentola boettgeri bishoffi) e a lagartixa (Lacerta duguessii), endemismos da Macaronésia.
Nestas ilhas existe um apreciável número de invertebrados endémicos, com uma elevada percentagem de insectos endémicos, sobretudo coleópteros e lepidópteros.
Por curiosidade, um coleóptero (Deuchalion oceanicus), espécie de escaravelho, endémico do Ilhéu de Fora, vive unicamente associado à Euphorbia anachoreta, planta também endémica, (fonte, Parque Natural da Madeira).




Ilhas Selvagens: importância no passado e no presente

Selvagem Pequena
(Foto de José Santos)

Referindo novamente a notícia por 1459/60 (pela última vez da Guiné, ao meio das ilhas Canarias e a da Madeira), de Diogo Gomes sobre as Ilhas Selvagens, «De insulis primo inventis in oceano occidentis», «as caravellas do senhor infante descobriram esta ilha e descendo em terra acharam muita urzella, que é uma herva que tinge os pannos de côr rubra, e acharam-na em grande abundancia. Depois, alguns pediram ao senhor infante que lhes desse licença para irem alli com as suas caravellas e podessem transportar a urzella a Inglaterra e Flandres, onde tem grande valor». O «senhor infante deu-lhes licença, com a condição de lhe darem a quinta parte do lucro, o que fazem».
Segundo o autor das «Ilhas de Zargo», o valor atribuído à urzela devia-se à sua aplicação na tinturaria, «tingindo-se os panos de cor rubra». «Este líquen existe no arquipélago madeirense como planta espontânea, tendo-a encontrado o navegador Diogo Gomes, nas referidas Ilhas Selvagens» (…). «Desde essa época vegetam três espécies de urzela: Nemaria fuciformes e N. rocella, abundantemente nas Desertas; N. fucoides na Madeira, onde vegetam também as outras espécies, assim como no Porto Santo. É uma planta de meio restricto, naturalizada nas rochas da beira-mar, mais expostas ao sol, aglomerada em tufos de cor cinzento-pardacenta, e geralmente em locais tão inacessíveis que Gaspar Frutuoso, querendo mostrar os trabalhos, perigos e mortes causadas pela construção das primitivas levadas ou canais de irrigação cortadas em rochas escarpadas e sobre abismos de centenas de metros de profundidade, escreveu que 'os homens trabalhavam nelas em cestos amarrados com cordas, pendurados pela rocha, como quem apanha urzela».
«A aplicação deste líquen à tinturaria fazia-se depois de «convenientemente preparado com adicionamento de urina para o curtimento, (uma vez) libertada do amoníaco pela acção da cal, e reduzida a uma pasta de consistência sólida, tendo a coloração violeta avermelhada».



Sumagre
(Rhus Coriaria - foto do autor)

Continuando o mesmo autor, (...) «tomou tanto incremento o comércio de urzela no arquipélago madeirense que suscitou uma legislação especial, constituiu monopólio do Estado, foi empresa de contratadores e traficância de contrabandistas quando, por protecção à urzela de Cabo Verde, se desacreditou intencionalmente a da Madeira, depois de aceita e preferida em toda a Europa como a melhor no mercado; e proibiu-se a sua exportação com grande prejuízo dos Municípios». (…). «Nem a qualidade do produto, nem as providências dos Governadores resolveram o problema, porque o trabalho dos negros em Cabo Verde e a Descoberta das anilinas na Europa deram o golpe de morte na urzela da Madeira retirando a importância comercial da também colhida nas Selvagens».
Um outro produto natural de igual riqueza comercial na Europa, referindo-se novamente o autor das «Ilhas de Zarco», a «partir do século XV, que também valorizou as Ilhas Selvagens, foi o pastel (Isatis Praecox), planta glauca, de cujas folhas se extraía um líquido azul empregado na coloração de panos comerciais. Teve o pastel muito emprego no continente europeu desde João Gonçalves Zargo. Exportava-se, já seco ao sol ou amassado em bolas depois de sua fermentação». Por outro lado, também, o «grupo das Selvagens foi outrora muito conhecido e explorado pela abundante produção de sumagre (Rhus Coriaria), arbusto da família das Anacardiaceas, naturalizado no Arquipélago da Madeira. Empregava-se esta planta no curtimento de couros e peles destinados à indústria de calçado corda vão de origem mourisca e muito usado pelo povo. O curtume daqueles produtos animais (peles) fazia-se com as folhas e casca do sumagre. Era grande o consumo de sumagre na Europa».
As Ilhas Selvagens antigamente, eram abundantes em gado caprino, entre os «animais úteis ao homem, aves e coelhos, estes de raça pequena, vulgar mas muito apreciados pelo sabor da sua carne. A caça anual, que tem lugar no mês de Setembro, produz uma dezena de barricas de carne salgada e umas centenas de peles, cujo colorido varia entre o amarelo-areia ao cinzento-turvo pardacento».
A espécie de ave que era mais caçada nas Selvagens era a Cagarra (Calonectris diomedea borealis) Palmipede indígena, da família Procelárida. É ave marinha que emigra de Outubro a Novembro, para voltar em fins de Fevereiro ou princípio de Março e procriar em Junho.), «cuja prodigiosa multiplicação anual é a única e maior riqueza daquele grupo insular».



Cagarra
(Foto de José Santos)

O ornitólogo Padre Ernesto Schmitz (1845-1922) escreveu, segundo o autor das Ilhas de Zargo, que apesar de «serem caçadas anualmente umas 20 a 22.000, a população não diminui, o que prova a sua grande densidade. Devem, portanto, exceder o total de 60.000, porque cada Cagarra põe apenas um ovo por ano, e é necessário haver pelo menos 40.000 para uma reprodução anual de 20.000. Em parte alguma do mundo existe tamanho número de Cagarras».
O Elucidário Madeirense refere que à Cagarra, «fazem-lhe caça em todas as ilhas, mas principalmente nas Desertas e Selvagens que a captura se torna rendosa, (…) pelo numero de indivíduos novos caçados anualmente nas Selvagens por homens de S. Gonçalo e Caniço, que ali vão nesse especial propósito. A cagarra, depois de salgada, trazida para a Madeira, onde a vendem de preferência às classes pobres, que muito a apreciam, a pesar do acentuado ressaibo a peixe e do caracter oleoso da sua carne. Os caçadores das Selvagens também lhe chamam pardela, à semelhança dos espanhóis das Canárias».
Para além da caça feita a esta ave, Luís da Rocha Machado, filho do antigo proprietário das Selvagens, concedeu em 1939, à firma industrial Leacock, sedeada no Funchal, a exploração de adubo de cagarra, abundante na Selvagem Grande, para fabricação de guano.
Na década dos anos sessenta do século XX (cerca de 1966), «nenhum interesse a mais oferecia as Ilhas Selvagens que caça e pesca». Embora no entanto, era «um dos pontos mais falados do arquipélago e objecto de particular atenção de ambiciosos e aventureiros», segundo o autor das «Ilhas de Zargo». Contudo, as Selvagens além do interesse económico para os seus proprietários nos séculos anteriores foram alvo das comunidades científicas de toda a Europa e motivo de várias expedições carácter geológico, botânico e zoológico.
Assim, o mesmo autor refere que «em Agosto de 1963 a bordo do baleeiro Persistência, uma digressão de cientistas europeus (...), foi explorar as Selvagens apoiado pela Imperial Chimical Industries de Londres e com o auxílio da Câmara Municipal do Funchal.
(...) «Participaram nesta missão representantes do Museu Nacional de História Natural de Paris, do Centro Nacional de Vulcanologia de Bruxelas, do Museu Britânico de Londres e do Instituto Zoológico da Universidade de Giessen. Transportaram-se às Selvagens estes cientistas de renome, feito no mundo: Marjorie Pickering, botânico; Thomas Tams, ornitólogo; Joseph Honorez, geólogo; Dr. Meinel, biólogo; Erick Weinreick e Gunther Maul, ictiólogos. Este último, sobejamente conhecedor da vida marina das águas madeirenses, cientista de nome feito por estudos e descobertas, é geralmente o condutor-apoio das missões que aportam ao Funchal e o criador do Museu Municipal do Funchal ».
Igual missão às Ilhas das Selvagens, foi realizada em Outubro de 1968, pela Sociedade Francesa de Protecção da Natureza, com os cientistas Cristian Jouanin da Sociedade Francesa, Francis Roux do Centro Francês da Migração das Aves, ambos do Museu de Paris. Esta missão, foi transportada bordo do Navio Hidrográfico «Pedro Nunes», da Marinha de Guerra Portuguesa, e foi chefiada pelo Professor Santos Júnior da Universidade de Ciências do Porto. Estas expedições, foram acompanhadas e «incentivadas» pelo arrendatário das ilhas, Paul Alexander Zino, madeirense e defensor entusiasta das colónias de aves marinhas do Arquipélago da Madeira, que como já foi referido anteriormente, tinha «despertado» a protecção e o interesse das mesmas, por parte da World Wildlife Fund (WWF).


Baía das Cagarras
(Foto do autor)

O Estado Português em 1971, adquiriu as Ilhas e instituiu o estatuto de Reserva nesse mesmo ano através do Decreto-lei n.º 458/71, de 29 de Outubro. Desta forma as Selvagens passaram a ser uma Reserva, «essencialmente ornitológica», como uma das mais importantes áreas de nidificação de aves marinhas de todo o Atlântico Norte.
No período de mudança de regime político em Portugal (1974/75), as Selvagens foram também «alvo desta época revolucionária» da história do País, não sendo imunes aos «excessos» próprios deste período. Assim, populares «conhecedores das ilhas» em embarcações de pesca desembarcaram na Selvagem Grande e destruíram as casas existentes. Estes, alegando chavões políticos relacionados com o direito à propriedade, exigiam a liberdade da apanha das cagarras, não licenciada nem autorizada por força da lei da Reserva Natural, foram impedidos pela acção de Paul Alexander Zino e dos guardas que este tinha contratado na altura.
Em 1976, foram realizadas várias «expedições de caça» a estas ilhas, que dizimaram a população de Cagarra então existente, tendo sido abatidos juvenis e adultos indiscriminadamente.
Com o processo autonómico as Ilhas Selvagens passaram a ser geridas pelos órgãos de governo próprio da Região Autónoma da Madeira. Assim, em 1977 é construída uma casa de abrigo para os vigias do Parque Natural, os quais entram em funções nessa altura. Refere-se que o Parque Natural foi dirigido directamente pelo Serviço de Reservas e Parques Naturais, em Lisboa, até à constituição da Direcção Regional dos Parques Naturais da Madeira.
Em 1978 a Assembleia Regional da Madeira aprovou o Decreto Regional n.º 15/78/M, de 10 de Março, que foi alterado pelo Decreto Regional n.º 11/81/M de 15 de Maio, a qual definiu as Ilhas Selvagens «Reserva Natural», não só o território destas, como também fundos marinhos até à batimétrica dos 200 metros, com as seguintes proibições:

«1) A realização de quaisquer trabalhos, obras ou actividades profissionais sem autorização do Governo Regional;
«2) A utilização de fundeadouros fora das zonas especialmente destinadas a esse fim;
«3) O acesso de pessoas, excepto mediante autorização do Governo Regional, que a concederá apenas para fins de estudo, de resolução de problemas técnicos ou a visitantes acompanhados por pessoas devidamente credenciadas, ou em estado de necessidade;
«4) A introdução de veículos terrestres, excepto mediante autorização do Governo Regional;
«5) O sobrevoo por aeronaves a altitude inferior a 200 metros, excepto em operações aéreas necessárias ao funcionamento da reserva ou em estado de necessidade;
«6) A introdução de espécies animais ou vegetais terrestres, a colheita, captura ou perturbações dos existentes, bem como a apanha de espécies vegetais marinhas, exceptuados os casos regularmente previstos;
«7) A colheita de material geológico ou arqueológico ou a sua exploração sem autorização do Governo Regional;
«8) A pesca de arrasto e outras artes que colidam com o fundo até à batimétrica fixada pela reserva, ressalvando-se as artes de anzol e rede;
«9) A utilização para fins comerciais de aparelhos de fotografia, filmagem e radiodifusão sonora ou visual sem autorização do Governo Regional.



Casa dos Vigilantes - Selvagem Grande
(Foto do autor)

Em 1982, o Serviço do Parque Natural da Madeira foi criado pelo Decreto Regional n.º 14/82/M, prevendo o n.º 1 do seu artigo 5.º, que o mesmo ficaria na dependência da Secretaria Regional de Agricultura, Florestas e Pescas, ficando as Selvagens como Reserva Natural a ser geridas e apoiadas por este serviço, com a regulamentação do Decreto Regulamentar Regional n.° 13/93/M (que aprovou a orgânica do Serviço do Parque Natural da Madeira, que dentro da sua «natureza e competências» apoia as «reservas naturais das ilhas Desertas e Selvagens, do Garajau, bem como as que venham a ser futuramente criadas»).
O excelente e efeciente trabalho de conservação da Natureza, desenvolvido nas Selvagens, por parte do Serviço do Parque Natural da Madeira, veio garantir a evolução favorável das colónias de aves marinhas nidificantes e a manutenção das frágeis comunidades florísticas da Selvagem Pequena e Ilhéu de Fora. Em resultado, às Selvagens foi-lhes atribuído o Diploma Europeu do Conselho Europa para Áreas Protegidas em 1992, sendo a única reserva portuguesa galardoada com este diploma. Através da Resolução nº 65/1997 do Comité de Ministros do Conselho Europeu, foi-lhes atribuída a categoria «A» deste Diploma Europeu.
As Selvagens estão contempladas na categoria de «Protecção de Áreas Naturais» do Plano de Ordenamento do Território da Região Autónoma da Madeira (POTRAM), publicado no Decreto Legislativo Regional n.º 12/95/M, de 24 de Junho.
Por proposta da Região Autónoma da Madeira no âmbito da Directiva Habitats, (Resolução n.º 1408/2000, de 28 de Setembro, do Governo Regional da Madeira), as ilhas Selvagens passaram a integrar a Rede Europeia de Áreas Protegidas, denominada «Natura 2000». Esta rede europeia de sítios protegidos, resulta da aplicação de duas directivas Comunidade Europeia: a Directiva Aves (Directiva 79/409/CEE), que protege todas as espécies de aves selvagens do território comunitário e a conservação dos seus habitates, através da criação de Zonas de Protecção Especial (ZPEs) e a Directiva Habitates (Directiva 92/43/CEE), que tem em vista a protecção das espécies de fauna e flora, que não são abrangidas pela directiva anterior, através da criação de Zonas Especiais de Conservação (ZECs). Por outro lado, a Rede Natura 2000 «pretende proteger as espécies e habitates naturais ameaçados da Europa e conduzi-los para um bom estado de conservação». Assim, competiu a cada Estado membro elaborar uma Lista Nacional de Sítios (Portaria n.º 829/2007, de 1 de Agosto), para integração na RN2000. Estes Sítios de Importância Comunitária, que integram esta rede, foram aprovados pela Comissão (Decisão n.º 2002/11/CE), a 28 de Dezembro de 2001, nos termos da Directiva 92/43/CEE do Conselho Europeu, cujo anexo I identifica nas ilhas Selvagens vários habitats:

«- Bancos de areia permanentemente cobertos por água do mar pouco profunda;
«- Lodaçais e areias a descoberto na maré baixa;
«- Enseadas e baías pouco profundas;
«- Falésias com flora endémica das costas macaronésicas;
«- Formações baixas de euforbiáceas junto a falésias.

Concluindo, as Ilhas Selvagens têm a seguinte Protecção legal:
- Nacional e Regional: Reserva Natural das Ilhas Selvagens (Decreto n.º 458/71 de 29 de Outubro, alterado pelo Decreto regional n.º 15/78/M de 10 de Março, que inclui a IBA). ZPE Ilhas Selvagens (PTSEL0001, Resolução do Governo Regional n.º 1408/2000, também inclui a IBA). Esta legislação, «materializa-se» através do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2006/M que adapta à Região Autónoma da Madeira o Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 49/2005, de 24 de Fevereiro, que procede à revisão da transposição para o direito interno das directivas comunitárias relativas à conservação das aves selvagens (directiva aves) e à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (directiva habitats). (Jornal Oficial, Número 20 I Série, Quinta-feira, 2 de Março de 2006).
- Internacional: ZPE Ilhas Selvagens; SIC Ilhas Selvagens (PTSEL0001). Diploma Europeu de Áreas Protegidas do Concelho da Europa.

Navio Patrulha da República Portuguesa (NRP)
(Foto do autor)

Coincidindo com a celebração dos 30 anos da criação da Reserva Natural das Ilhas Selvagens, em 2001, a Região Autónoma da Madeira formalizou a candidatura desta Reserva Natural, a Património Mundial Natural da UNESCO. Esta candidatura posteriormente foi retirada em Maio de 2004 (Resolução n.º 735/2004 - o Governo Regional da Madeira, solicita ao Governo da República a retirada, para reformulação, da candidatura das Ilhas selvagens à Lista do Património Mundial da UNESCO).
Em 2002 foi iniciado um projecto com vista a erradicação de todas as espécies introduzidas na Selvagem Grande numa tentativa de recuperação ao seu «habitat natural».
A fiscalização e apoio à Reserva Natural das Ilhas Selvagens é prestado pela Marinha de Guerra Portuguesa a qual é de referir que os serviços prestados à Região Autónoma em geral, e as Selvagens em particular, têm sido relevantes e meritórios. Com o apoio do Navio da Marinha, os Vigilantes do Parque Natural, são rendidos de acordo com as necessidades de vigilância previstas, pela Direcção do Parque Natural da Madeira.
As Ilhas Selvagens, pela sua localização ( aproximadamente até ao Paralelo dos 29º e 15', Norte, confinante com a ZEE do Arquipélago das Canárias), assumem particular importância para a Região Autónoma da Madeira assim como para Portugal (!). Estas embora sendo um sub-arquipélago diminuto, permite o aumento significativo da Zona Económica Exclusiva Portuguesa e assim acréscimo das possibilidades de exploração de recursos marinhos (pesca) ou não marinhos que ainda não são conhecidos (?).
É a Zona Económica Exclusiva (ZEE) que mais interessa à Região Autónoma da Madeira e a Portugal pelo interesse geoestratégico na Europa e no Mundo.


Assim sendo, deseja-se que as Salvages continuem Selvagens!

Selvagem Pequena
(Foto do autor)

Por qualquer vizinhança se faz uma fronteira. O muro, a vedação, a cancela e o marco impõe os «limites» a familiares, vizinhos e amigos com um historial comum ou não (!?). Faz parte da natureza humana!
O território e o espaço comum, já no passado da sociedade humana de colectores/caçadores, eram demarcados e defendidos. Assim, tanto nesse passado como nos dias de hoje este procedimento é semelhante e natural, como a própria essência do «existir e do ser»!



A questão do Farol e da soberania das Selvagens



Selvagens
(Foto do autor)

As Selvagens e os seus ilhéus foram sempre um obstáculo à navegação naquela área do Atlântico. A navegação nestas águas é extremamente perigosa, devido à existência de numerosas ilhotas e rochedos submersos a baixa profundidade, que «afiaram» com o efeito da ondulação ou da maré. Houve sempre a necessidade assinalar a presença das ilhas naqueles mares por força das rotas de navios que demandavam às Canárias e para o Hemisfério Sul, ou vice-versa.
Segundo o Comandante Teixeira de Aguilar, na sua obra «Faróis da Madeira, Porto Santo, Desertas e Selvagens», esta questão da segurança marítima e necessidade de construir um Farol nas Selvagens partiu por iniciativa do «país vizinho, em 1881, propondo que Portugal arcasse com metade das despesas decorrentes», e mais referia o texto que «dos antecedentes que existe no Ministério do Estado em Madrid, deduz-se claramente que não está determinado se a soberania da ilha pertence a Espanha ou a Portugal».
O Governo Português, depois do parecer da Comissão de Faróis e Balizas, concordou com a construção do farol, sem pôr cm causa a soberania nas ilhas.
Entretanto o proprietário das ilhas naquela época, Constantino Cabral de Noronha, emanou uma carta, onde manifestava, que «o governo espanhol deveria celebrar com ele e com os seus herdeiros um contrato para salvaguardar eventuais prejuízos».
Pelo ano de 1887, o ministro de Estado de Espanha declarou concordar com a proposta do Governo Português e a 6 de Outubro de 1911 emanou outra resposta, dando conta que as «ilhas se consideram para todos os efeitos como compreendidas entre o arquipélago canário, portanto, a Chefia de Obras Públicas das Canárias e a do Serviço Central de Sinais Marítimos providenciarão de comum acordo a localização do farol».
A reacção do Governo Português não se fez esperar, pela «manifesta confusão» do Governo de Espanha, e em resposta, Lisboa ouviu de Madrid que estavam «dispostos a tratar da questão das ilhas nos mais amigáveis termos».
Em 1912, comunicava o ministro espanhol que seria tratada esta questão, reivindicando os direitos daquele país.
A construção do farol ficou suspensa por falta de diálogo. Mas o curioso, é que, foram dadas instruções ao ministro da Marinha para «nada se praticar de definitivo com respeito á aquela farolagem enquanto se encontrar pendente a discussão entre os dois países sobre a propriedade das ilhas». Ou seja, «deduz-se que haveria dúvidas, mesmo ao nível governamental» por parte de Portugal, sobre a soberania das Selvagens, (Referência - Jornal da Madeira, 14 de Outubro de 2001).
A Comissão Permanente de Direito Marítimo Internacional atestou a soberania das ilhas em 1938 e foi colocado no planalto da Selvagem Grande, um marco Astronómico pela Missão Hidrográfica das Ilhas Adjacentes, neste mesmo ano. Esta Comissão de Direito Marítimo Internacional foi criada em 2 de Abril de 1924, «com objectivos da maior relevância no domínio do direito internacional marítimo e, em especial, com a vantagem de assegurar, por meio dela, a presença portuguesa no Comité Maritime International, com sede em Bruxelas, e ainda como meio propulsor em matéria legislativa relacionada com a actualização do direito marítimo interno».
Na década de setenta do século anterior deu-se naufrágios de navios junto às Selvagens por falta de «farolagem» destas ilhas. A responsabilidade de Portugal pela segurança marítima daquela área, foi posta em causa.
A 6 de Junho de 1977 foi instalado o farol na Selvagem Grande (no cimo do Pico da Atalaia, Lat. 30º 08’.60 N, e Long. 15º 52’.18 W) e a 17 do mesmo mês, o da Pequena (no cimo do Pico do Veado, Lat. 30º 02'.04 N e Long. 16º 01’.56 W).
A instalação foi efectuada pela Direcção de Faróis da Marinha, que presentemente é um organismo da Direcção-Geral da Autoridade Marítima, integrado no Ministério da Defesa Nacional.
A questão da soberania das Ilhas Selvagens foi sempre alvo de dúvidas (?), que actualmente, certamente estarão ultrapassadas pelo respeito mútuo e pelo direito internacional. Por laços históricos comuns, os Arquipélagos do Atlântico sempre estiveram e estarão ligados pelo MAR que os une.



«Uma notícia curiosa»

Selvagem Grande
(Foto do autor)

«Una noticia sumamente curiosa por muchos motivos es la que aparece en el Correo de Tenerife número 17 de 10 de Noviembre de 1808, y que dice lo siguiente:
AVISO. La persona a quien acomode comprar las dos Islas llamadas Salvajes que pertenecen en propiedad libre a la familia portuguesa y casa de Cabral en la Isla de la Madera, puede dirigirse al Presbítero D. Miguel Cabral de Noroña, Capellan de Ejercito, residente en la Ciudad de La Laguna Capital de Tenerife, que este dirá con quién ha de tratarse, y en que terminos», (sic).
Fonte: Madeira y Azores en los Primeros Periodicos Canarios (1750-1850), Juan José Laforet. Real Sociedad Económica de Amigos del País de Las Palmas.



A Lenda das Ilhas Selvagens


Selvagem Grande
(Foto de José Santos)

As Ilhas de Arguim desconhecidas da maior parte dos madeirenses, sempre contribuíram e alimentaram o «sebastianismo insular», na visão das ilhas encantadas na salvação e refúgio de El-Rei D. Sebastião. Mas as Selvagens e o seu tesouro e as suas raridades ocultas contribuíram para a internacionalização destas Ilhas do Atlântico.



(Nau Santa Maria de Colombo - no Porto do Funchal)



O Tesouro do Pirata Kidd: o Temerário


(…)
«Um fabuloso tesouro pertencente à catedral de Lima, no Perú, escondido, nas Selvagens, pelo pirata Kidd, o Temerário. Levou-o àquelas paragens um navio espanhol vindo de Baltimore (E. U. A.), que o saqueou e a três navios mexicanos, e naufragou perto das Selvagens.
O único sobrevivente expirou nas Canárias, revelando à hora da morte, a um marinheiro inglês, o segredo de que fora testemunha e também agente. O inglês, como bom patriota, não se conteve, ao regressar a Londres, de comunicar o facto ao Departamento da Marinha. Desde então sucederam-se as pesquisas nas Selvagens que foram cavadas e revolvidas pelos Morgados, seus primitivos donos, e por inúmeros argonautas e aventureiros. A. Mellersh, comandante da corveta inglesa Rattler, por exemplo, esteve quatro vezes nas Selvagens, nos anos de 1848 a 1851, à procura do velo de ouro tão cobiçado, em cuja empresa gastou umas 3.000 libras esterlinas. O próprio Almirantado inglês participou nesta tentativa, mandando a corveta Myrmidow fornecer água aos exploradores. O insucesso levou Mellersh a escrever ao cônsul britânico no Funchal, a 22 de Novembro de 1851, que 'têm sido feitas escavações em ambas as Ilhas (Pitão Grande e P. Pequeno), e acho poucas probabilidades de encontrar o tesouro, não obstante crer bem que ele esteja aqui enterrado'.
Com a certeza desta realidade passou na Madeira, em 1923, o explorador inglês Sir Ernest Shakleton que, dirigindo-se ao Polo Sul, procurou, no Funchal, Luís da Rocha Machado, proprietário das Selvagens, a quem pediu autorização para pesquisar aquelas Ilhas, no regresso da sua viagem polar, dizendo-se portador de dados descobertos no Ministério da Marinha relativos ao tesouro de Kidd. A morte surpreendeu Shakeiton em viagem, e o tesouro continuou sepultado no fundo pitoresco da lenda ou da esperança duma ilusória realidade.
Outros exploradores, nacionais e estrangeiros, têm demandado as Selvagens com igual fito e trazido de lá a mesma decepção.»
(…)

In Ilhas de Zargo


- O tesouro ainda continua nas Selvagens!?





Post-Scriptum:

Códigos Postais das Ilhas Selvagens:
Selvagem Pequena
9000-900 FUNCHAL

Selvagem Grande
9000-900 FUNCHAL

Visitas à Reserva Natural das Ilhas Selvagens são condicionadas. Os pedidos são solicitados ao Parque Natural da Madeira.

Bibliografia:

ALBUQUERQUE, Luís de e VIEIRA, Alberto (1987). O Arquipélago da Madeira no Século XV. Secretaria Regional do Turismo e Cultura. Funchal.
ÂNGELA, Borges Gonçalves e NUNES, Rui Sotero (1990). Ilhas de Zargo - Adenda. Câmara Municipal do Funchal. Funchal.
FONSECA, Ana Mafalda Amador Garcia da, (2006). Oferta Turística e Relação Turismo - Ambiente na Região Autónoma da Madeira. Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Gestão Estratégica e Desenvolvimento do Turismo. Universidade da Madeira. Funchal.
JARDIM, Roberto e FRANCISCO, David (2000). Flora Endémica da Madeira. 1.ª Edição. Múchia Publicações. Funchal.
INSTITUTO Hidrográfico. Carta Náutica. Arquipélago da Madeira N.º 33101.
INSTITUTO Hidrográfico. Boletim Hidromar N.º 75, Jan/Fev 2003.
INSTITUTO Hidrográfico. Roteiro do Arquipélago da Madeira e Ilhas Selvagens (1979). 2.ª Edição. Lisboa.
OLIVEIRA, Paulo (1999). A Conservação e Gestão das Aves do Arquipélago da Madeira. Secretaria Regional de Agricultura, Florestas e Pescas - Serviço do Parque Natural. Funchal.
PEREIRA, Eduardo C. N. (1989). Ilhas de Zargo. 4.ª Edição. Câmara Municipal do Funchal. Funchal.
SARMENTO, A. Arthur, (1906). As Selvagens. Officinas do Heraldo da Madeira. Funchal.
SILVA, Fernando Augusto da e MENESES, Carlos Azevedo de, (1984). Elucidário Madeirense. Fac-símile da edição de 1946. Secretaria Regional de Turismo e Cultura - Direcção Regional dos Assuntos Culturais. Funchal.